Existiu na Amazônia um jacaré gigante que viveu há cerca de 8 milhões de anos. O Purussaurus brasiliensis foi descrito pela primeira vez, em 1892, pelo naturalista brasileiro Barbosa Rodrigues (1842-1909), a partir de placas dérmicas e fragmentos de mandíbula.
Mas foi o paleontólogo acreano Jonas Souza Filho, ex-reitor da Universidade Federal do Acre, que liderou a equipe responsável pelo achado fóssil mais completo do Purussaurus, em 1985.
Uma mandíbula de Purussaurus, com 1,30m, coletada no Rio Acre, no município de Asssis Brasil (AC), serviu para reforçar a tese da existência dos jacarés gigantes da Amazônia.
- A extinção deste grupo de crocodilianos gigantescos, ainda intriga os pesquisadores, mas pode estar estreitamente ligada a profundas variações climáticas que aconteceram no final do Período Mioceno e início do Plioceno, há cerca de 5 milhões de anos passados - assinala o paleontólogo.
Jonas Filho vem se dedicando há 25 anos aos estudos dos vertebrados fósseis do Acre, tendo se especializado no grupo dos jacarés. Além da atualização de artigos, o pós-doutorado dele na Univerisade de Brasília inclui um livro infantil sobre o Purussaurus.
- Quero com essa contribuição possibilitar a divulgação deste que é o maior jacaré conhecido no planeta.
Seguem os melhores trechos da entrevista com Jonas Souza Filho:
Pra começar, qual a diferença entre jacaré e crocodilo?
Anatomicamente, existem diferenças entre ambos. No crocodilo, por exemplo, o quinto dente da mandíbula é o dente maior e mais forte de todos. Nos jacarés, o dente mais forte é o quarto. No crocodilo, a narina tem duas aberturas, enquanto nos jacarés existe apenas uma abertura nasal. Tradicionalmente, quando um brasileiro fala sobre jacarés, está se reportando a todos os outros, da mesma forma que um americano quando fala crocodilo ou um espanhol a caiman.
Sendo assim, o Purussuarus brasiliensis era crocodilo ou jacaré?
Era um jacaré porque o seu quarto dente era o mais forte da mandíbula e tinha apenas uma abertura nasal.
Após dois mandatos como reitor da Universidade Federal do Acre, o que o está desenvolvendo?
Depois de oito anos envolvido com burocracia e atos administrativos da academia não me senti muito a vontade para retornar de imediato à sala de aula. Precisava renovar e atualizar minhas atividades como docente. Assim, pleiteei afastamento para a realização de pós-doutorado onde o estou realizando na UnB, com conclusão prevista para março de 2010.
O que envolve seu projeto de pós-doutorado?
Continuo atuando na paleontologia. Minha vida acadêmica sempre esteve ligada à pesquisa paleontológica. Há 25 anos venho me dedicando aos estudos dos vertebrados fósseis do Acre, tendo me especializado no grupo dos jacarés. A Universidade Federal do Acre, através de seus pesquisadores e técnicos do Laboratório de Pesquisas Paleontológicas, tem feito um importe trabalho e representa hoje um dos mais eficientes grupos de pesquisadores em paleontologia do Brasil.
Ainda envolvido com o Purussaurus?
Sim. No meu projeto de pós-doutorado estou atualizando os estudos relacionados aos jacarés fósseis da região Sul-Ocidental da Amazônia tendo como objetivo, além de artigos atualizados, a elaboração de um livro didático- científico sobre os mesmos. Ainda em relação ao pós-doutorado, estou por concluir um livro infantil versando sobre o Purussaurus. Quero com essa contribuição possibilitar a divulgação deste que é o maior jacaré conhecido no planeta. Tão real quanto lendário, Purussaurus tem que ser retratado e colocado como um representante de nossa cultura e folclore regional. Quero levar esta mensagem aos jovens, principalmente.
O Purussaurus…
Bom, Purussaurus foi um jacaré gigante que viveu na Amazônia há cerca de 8 milhões de anos atrás. Os indivíduos deste gênero, quando adultos, poderiam alcançar mais de 12 metros de comprimento. Tinha poderosas mandíbulas, dentição típica dos carnívoros, capazes de destroçar ossos e carapaças. Foi um predador de topo de cadeia. Purussaurus é conhecido hoje como o maior jacaré que existiu no planeta em todos os tempos. Um verdadeiro devorador de animais. Segundo nossos estudos, a estratégia de caça desses jacarés não deveria ser diferente das estratégias utilizadas pelas espécies de jacarés atuais, principalmente a dos crocodilos africanos do Rio Nilo, os maiores dos dias atuais.
Qual era a dieta alimentar do Purussaurus?
Igualmente aos jacarés atuais, a dieta de Purussaurus deveria incluir os crustáceos e os peixes. Todavia, sua capacidade de sobrevivência deveria estar diretamente ligada à grande quantidade de alimentos que teria que ingerir. Assim, pelo seu porte, Purussaurus atacava os grandes mamíferos que cruzavam os rios e lagos ou se aproximavam para saciar sua sede. Toxodontes, glyptodontes e as preguiças gigantes, contemporâneos, poderiam ser presas fácies destes gigantescos jacarés. Embora exista registro do gênero Purussaurus no Equador, Colômbia, Venezuela, Perú e Bolívia, os achados no Acre indicam que por aqui viveram os maiores deles.
Eles dependiam de que mais?
Em decorrência do grande tamanho, os jacarés purussaurus dependiam de grandes quantidades de água e de alimento para sua sobrevivência e por isso aventuravam-se por centenas e centenas de quilômetros, facilitado pelo seu próprio tamanho e vitalidade, em busca de suas mínimas condições de sobrevivência. Quando alcançava seus objetivos, ou seja, fartura, por ali permanecia, até que outra vez tivesse que migrar.
É possível explicar a extinção desses jacarés?
A extinção deste grupo de crocodilianos gigantescos, ainda intriga os pesquisadores, mas pode estar estreitamente ligada a profundas variações climáticas que aconteceram no final do Período Mioceno e início do Plioceno, há cerca de 5 milhões de anos passados. Essas mudanças teriam resultado em modificações geológicas e ambientais que, por conseqüência e de forma gradativa, gerou fundamentalmente a indisponibilidade de alimento e água na região. Tais modificações podem ter provocado um estresse ambiental negativo para a sobrevivência deles e de outros grupos contemporâneos. Quando rios e lagos secam, aumenta a concentração de indivíduos, tornando o ambiente super povoado, gerando combate entre eles e mortandade.
Algo os fez resistir?
Por serem grandes e fortes, os purussaurídeos provavelmente tenham resistido por algum tempo geológico, pelo menos em algumas das regiões geográficas onde tiveram seus registros confirmados. Afinal, o tamanho poderia significar também capacidade à resistência às condições adversas e a capacidade de sobrevivência, diferenciada. Na luta por alimento, possivelmente os purussaurídeos tenham utilizado estratégias para além da caça convencional. Tenham também combatido e devorado indivíduos de outras espécies de jacarés, de menor tamanho, e de outros purussaurídeos pequenos como jovens e filhotes. Teriam também atacado ninhos e devorado seus ovos, e por fim, entrado em combate entre si, extinguindo-se no princípio do Plioceno, há 5 milhões de anos.
Essas são apenas inferências?
É evidente que o que podemos dizer de purussaurus é tão somente inferências a partir dos vestígios que deixaram. Todavia, tais inferências, neste caso, por envolver os jacarés, podem ser melhores elaboradas. Isto porque, muito embora os purussaurídeos estejam extintos, existem os seus representantes atuais que pouco se modificaram ao longo de sua história evolutiva. Estes seus “parentes” atuais podem oferecer vantajosas pistas para a compreensão da origem, evolução e extinção de Purussauros brasiliensis, o terrível lagarto dos rios e lagos pré-históricos da Amazônia.
E sobre o livro didático-científico que o senhor pretende editar, da para adiantar alguma novidade?
Claro. Além de Purussaurus, o mais famoso, a região foi ambiente propício à existência de vários outros jacarés. Na Amazônia, em particular no Acre, habitaram formas incríveis. Tinha jacaré com cara de “bico de pato”, com focinho alongado tipo gavial da Índia, com focinho tipo serrote, dentre outras formas. Eu quero mostrar tudo isso. Tinham espécies como o Mourasuchus que eram quase tão grandes quanto Purussaurus e que chegaram a se confrontar na disputa por alimento e água. O livro também enfocará sobre históricos da pesquisa paleontológica no Acre e mudanças climáticas registradas.
As regiões Norte e a Nordeste são as que menos recebem recursos financeiros para pesquisas e qualificação de pessoal. Isso tem impedido avanço e progresso das duas regiões. O senhor foi reitor da Universidade Federal do Acre de 2000 a 2008. Como reitor e cientista o que fez para mudar esta realidade para o Acre?
A superação, crescimento e fortalecimento das regiões ricas do Brasil está também diretamente relacionada ao seu processo histórico de construção e às políticas de governos. Investimento em ciência e tecnologia se constitui em importante instrumento para acelerar qualquer proposta de crescimento, mas não é tudo. Quando dirigi a UFAC, além de incentivar nossos pesquisadores para que participassem dos editais de financiamentos à pesquisa, também me inseri nos grandes debates e fóruns sobre a necessidade de dar equilíbrio nas distribuições de recursos e qualificação profissional, entre as regiões. Esse, inclusive, é um debate em andamento. Para além, investi nos cursos de pós-graduação strictu sensu, tendo a UFAC saído de um curso de mestrado, que já existia, para cinco. Os novos cursos de mestrados que ajudei a instalar possibilitarão aumento no número de pesquisadores e, consequentemente, a possibilidade de se produzir mais pesquisas e conseguir mais recursos para elas. Por outro lado, havendo qualidade na pesquisa produzida, ela poderá ser aproveitada como polícias públicas em favor da sociedade e desenvolvimento regional.
Concepção Artística - Purussaurus
Fonte:
- Blog da Amazônia, por Altino Machado
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