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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Maior anfíbio do mundo encontrado até hoje é do Brasil

“Quando não se tem passado, não há futuro,” ou “Quem não tem passado, não tem futuro.” Escolha a tradução que desejar. A mensagem é a mesma. Quem fez o alerta foi Fernand Braudel, talvez o maior historiador europeu do século XX. Braudel era um medievalista. Vivia com a cabeça no século XIV, ponderando sobre as causas para a Guerra dos 100 anos. Para mim, a frase de Braudel evoca um passado remoto. Penso em priscas eras, bem anteriores à história e à pré-história. Imagino um cenário tropical, com lagoas de água doce à beira mar. A mata é exuberante como a amazônica, mas as árvores são samambaias gigantes. Não há flores – há 270 milhões de anos, faltavam ainda dezenas de milhões de anos para a primeira flor desabrochar. No céu não avoavam pássaros nem pterossauros, os primos alados dos dinossauros. No período Permiano, o ar ainda era território exclusivo dos insetos. Talvez por isso mesmo eles fossem tão grandes. De uma margem à outra das antigas lagoas costeiras, libélulas do tamanho de andorinhas zuniam à procura de alimento. Em terra firma, não havia dinossauros nem mamíferos. Ainda não havia chegado o momento de seus respectivos ramos brotarem e se estenderem a partir do tronco da árvore da vida na Terra.




A era Cenozóica, os últimos 65 milhões de anos, é a Idade dos Mamíferos. A era Mesozóica, entre 250 e 65 milhões de anos atrás, foi a Idade dos Répteis (ou dinossauros). Mas há 270 milhões de anos, no período Permiano, era a Idade dos Anfíbios. Eles dominavam o planeta. Em vez de se esconder em brejos e coaxar à noite como os seus descendentes sapos, rãs e pererecas, pode-se imaginar que, à maneira dos jacarés e crocodilos, os antigos anfíbios se aqueciam tranquilamente ao sol, esparramados nas praias ou às margens de rios e lagos.


Esta imagem não é um mero exercício de imaginação. Os maiores anfíbios atuais são as salamandras gigantes da China (Andrias davidianus) e do Japão (A. japonicus). Apesar de atingir até 1m80 de comprimento, são criaturas tímidas e esquivas. Elas vivem nas sombras, entre as frestas das rochas de corredeiras geladas. Imaginar que os antigos labirintodontídeos, as mega-salamandras do Permiano, levavam vidas esquivas não me parece provável. Quem precisa ser tímido e esquivo quando se tem 9 metros de comprimento e uma bocarra de meio metro com quase 60 dentes pontiagudos?

Havia dezenas de espécies de labirintodontídeos. Desde o século XIX os paleontólogos vêm desenterrando fósseis de anfíbios permianos no Texas, México, Alemanha, Rússia e África do Sul. Mas nunca se encontrou nenhum como o nosso Prionosuchus plummeri, ou simplesmente prionossuco. Ele foi o maior anfíbio que existiu. Seu crânio foi achado em 1946 pelo grande paleontólogo gaúcho Llewllyn Ivor Price (1905-1980), na região da cidadezinha maranhense de Bons Pastos, perto da divisa com o Piauí. O prionossuco era uma fera carnívora com um crânio afilado. Ele ocupava o nicho ecológico dos crocodilos atuais.



O maior crocodilo vivo é o de água salgada (Crocodylus porosus) da Austrália. Um macho graúdo pode atingir 7 metros. A melhor comparação com o prionossuco, no entanto, é o gavial (Gavialis gangeticus), o crocodilo de crânio afilado dos rios da Índia. Um macho pode atingir 5 metros e 700 quilos. Embora grande, o gavial não ataca gazelas ou búfalos como o seu primo africano. Sua mandíbula afilada com 56 dentes é especializada na captura de peixe. Dada a extrema semelhança com a mandíbula do prionossuco, acredita-se que peixe era o alimento da mega-salamandra do Maranhão.


E peixe é o que não faltava. As mesmas rochas de 270 milhões de anos que preservaram o crânio do prianossuco revelam como seria o ecossistema onde ele viveu. As lagoas interioranas eram piscosas, e de seus peixes fartavam-se os xenocantos, tubarões de água-doce há muito extintos. Já no mar havia tubarões parecidos com os atuais. Eles nadavam ao lado de celancatos, peixes muito primitivos, e que até 1939 eram considerados extintos. Naquele ano um exemplar foi pescado na África do Sul. Sabe-se hoje que os celacantos sobrevivem no oceano Índico e na Indonésia.


No desenho acima, uma comparação de tamanho entre o prionossuco e um humano. Nas fotos, o gavial (à esquerda), crocodilo dos rios da Índia que possuiu uma mandíbula parecido com a do prionossuco, e uma salamandra gigante do Japão (à direita).




O reinado dos anfíbios terminou abruptamente há 250 milhões de anos. Eles foram exterminados pela maior extinção da história da vida na Terra, a extinção do Permiano. Acredita-se que mega-erupções vulcânicas na Sibéria levaram o planeta à beira da catástrofe. Mais de 90% das espécies terrestres e marinhas desapareceram. O fim do período Permiano deu lugar à era Mesozóica, a Idade dos Répteis. A saída de cena dos grandes anfíbios cedeu espaço para a entrada de novos protagonistas na biosfera: os lagartos terríveis, os “deinos sauros” (em grego) ou dinossauros.

Quando surgiram, os dinossauros não tinham nada de terrível. Faltava muito para assumirem as descomunais dimensões jurássicas. Eram pouco maiores que cachorrões. E surgiram bem aqui, no nosso quintal. Naquela época, a América do Sul estava unida à África, Antártica, Austrália e Índia, no supercontinente Gondwana. Os dinossauros mais antigos que se conhece viveram entre 230 e 225 milhões de anos atrás. Quatro são argentinos: o herrerasauro, o pisanossauro, o eoraptor e o marasuchus. O quinto é gaúcho de Santa Maria (RS). Chama-se estauricossauro, o “lagarto cruzeiro do sul”, achado na década de 1930.


Peter Moon


Opinião do autor do texto:


EU QUERO O MEU MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL!!!


Mas quem sabe que um dos dinossauros mais antigos que se conhece era gaúcho? Só os paleontólogos. Quem sabe que o maior anfíbio que existiu era maranhense? Os paleontólogos. E onde está o grande Museu de História Natural do Brasil, onde crianças, adolescentes e adultos podem conhecer e se maravilhar com a fauna, a flora e a geologia brasileiras? Nova York tem o American Museum of Natural History. Londres tem o seu Natural History Museum. Paris tem o Muséum National d’Histoire Naturelle. Buenos Aires tem um maravilhoso Museu de História Natural?!?


O Rio de Janeiro tem o Museu Nacional. Ele fica na Quinta da Boa Vista, o parque do século XIX encravado na zona norte, entre o Maracanã e o morro da Mangueira. O museu fica no antigo Palácio Imperial de Dom Pedro II. O Museu Nacional é mantido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A última vez que lá estive, em 2005, o estuque da fachada principal corria o risco de desabar. A madeira dos corrimões estava podre. O único banheiro, atrás de uma escada, era impossível de usar. A lembrança que mais incomoda é a de um pobre elefante empalhado. O bicho estava cinza-esverdeado. Apodrecia a olhos vistos pela má conservação. Mereceria ser enterrado dignamente e não permanecer exposto daquela forma degradante.


No Museu Nacional trabalham alguns dos melhores paleontólogos, biólogos e arqueólogos do País. Eles são excepcionais. Fora um par de salões que foram reformados com recursos da Petrobras, o museu é uma vergonha. Se chegou a hora de o Brasil investir bilhões para sediar a sua segunda Copa do Mundo e a primeira Olimpíada, há muitos e muitos governos passou a hora de termos um grande, digno e surpreendente museu de história natural. Ou melhor, dois. Um no Rio e outro em São Paulo. Qual era mesmo a frase de Fernand Braudel? Esta é a minha: EU QUERO O MEU MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL!!!


Fontes:
  • Revista Época
  • Referências: Price, L.I. 1948. Um anfíbio labirintodonte da Formação Pedra do Fogo, estado do Maranhão. Boletim da Divisão de Geologia e Mineralogia, DNPM, 124:1-32. - (Peter Moon escreve às sextas-feiras).

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