— A menina já está se sentindo bem melhor agora, creio — disse o dr. Cruz, baixando o plástico da tenda de oxigênio em torno de Tina, que repousava. Mike Bowman sentou-se ao lado da cama, próximo à filha. Concluiu que o dr. Cruz era muito capaz. Falava inglês excelente, graças ao treinamento em centros médicos de Londres e Baltimore. Irradiava competência, e a Clínica Santa Maria, o moderno hospital de Puntarenas, era imaculado e eficiente.
Mesmo assim, Mike Bowman se sentia muito nervoso. Não havia como negar o fato de que sua única filha estava seriamente doente, e eles muito longe de casa.
Quando encontrara Tina, ela chorava histericamente. O braço esquerdo coberto de sangue mostrava uma série de pequenas dentadas, cada uma delas do tamanho de um polegar. E havia trechos cobertos por uma espuma pegajosa, como saliva.
Ele a tirara da praia. Seu braço começara a inchar e a ficar vermelho em seguida. Mike demoraria muito para se esquecer da viagem frenética de volta para a civilização, o Land Rover com tração nas quatro rodas derrapando e deslizando na estrada enlameada pelas montanhas, enquanto a filha gritava de dor e pânico, o braço cada vez mais inchado e vermelho. Muito antes de chegarem à entrada do parque o pescoço de Tina começara a inchar também e a menina passara a respirar com dificuldade.
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quarta-feira, 28 de julho de 2010
terça-feira, 27 de julho de 2010
Resumo de postagem
Olá a todos, gostaria de informar a vocês sobre uma nova tecnologia do Blog Dino World, assim como outros Blogs fazem, resolvi colocar um link para expandir a postagem.
Para carregar mais rápido o Blog, as postagens serão resumidas na página inicial, mas é só clicar no link "Mais Informações" para ler a postagem inteira.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Fósseis indicam urso gigante na Argentina
Há 700 mil anos, um urso que pode ter passado de 1,5 tonelada atacava os herbívoros de La Plata, na Argentina, com a mesma voracidade que os humanos gaúchos hoje dedicam ao churrasco.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Dente de elefante encontrado em Rondônia
Pesquisadores de Rondônia e de Minas Gerais apresentaram nesta terça-feira (20), no Rio de Janeiro, durante o 7º Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, o resultado da análise de um fóssil encontrado há mais de dez anos por garimpeiros na Amazônia. A peça seria um dente de elefante, sugerindo que o maior mamífero terrestre do mundo viveu na floresta há cerca de 45 mil anos.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Amargassauro
*Dados do animal
Nome: AmargassauroNome Científico: Amargasaurus
Época: Cretáceo
Local em que viveu: América do Sul
Tamanho: 2,5 metros de altura e 8 á 12 metros de comprimento
Peso: Cerca de 7 toneladas
Alimentação: Herbívora
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Primata tido como extinto há 60 anos é fotografado no Sri Lanka
'Loris' é o animal que foi dado como extinto há 60 anos, e foi registrado após 200 horas de pesquisa no Sri Lanka em região montanhosa no país.
Detalhe do animal apoiado em planta localizada dentro de floresta em região montanhosa no Sri Lanka, país insular próximo à costa da Índia.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Triceratops e Torosaurus são a mesma espécie
Triceratops
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Ceratopsiano Mojoceratops batizado em um bar
O que um grupo de paleontólogos faz no bar durante um happy hour?
A resposta é um tanto quanto óbvia: pensa em nomes para batizar espécies recém-descobertas de dinossauros.
Pelo menos foi assim que Nicholas Longrich, da Universidade de Yale, conseguiu encontrar um nome para o Mojoceratops, um animal que apresentava duas cavidades no crânio em forma de coração.
Quem assistiu aos filmes da série “Austin Powers” está familiarizado com o termo “Mojo”, frequentemente usado pelo agente secreto. Em inglês, a palavra se tornou uma gíria que designa algo como “libido”, “desejo”. Por isso, durante a reunião de colega de trabalho regada a cerveja, pareceu apropriado usar o termo que insinuasse a curiosa aparência do dinossauro.
O “Mojoceratops perifania” foi descoberto em Alberta, no Canadá, e, junto a mais de uma dúzia de outras espécies, pertence à família chasmosaurine ceratopsid. Esse animal era herbívoro, do tamanho de um hipopótamo, e viveu há 75 milhões de anos, no final do Cretáceo. Isso foi cerca de 10 milhões de anos antes de seu mais famoso primo, o Triceratops. A nova espécie, porém, viveu muito pouco: apenas um milhão de anos.Além de Alberta, ela é encontrada somente na província de Saskatchewan, também no Canadá.
Inicialmente, o fóssil do Mojoceratops foi levado para o American Museum of Natural History, em Nova York. Foi lá que, em 2008, Longrich começou a estudar o animal. O paleontólogo notou que, apesar de todos os membros da família ceratopsids possuírem uma grande estrutura no crânio, este animal apresentava a mais ostensiva de todas.
Depois de anos estudando o fóssil, Longrich publicou a descoberta de uma nova espécie na semana passada, no Journal of Paleontology – oficializando assim o nome Mojoceratops.
Apesar de seu nome ter sido escolhido como brincadeira, ele na verdade faz algum sentido. Ao buscar a etimologia da palavra “mojo”, o paleontólogo descobriu que ela é um termo afro-americano usado no início do século 20 para designar um “charme” ou “talismã” usado para atrair o sexo oposto. E é justamente para isto que servia a estrutura do dinossauro.
O restante do nome do “Mojoceratops perifania” vem do grego: "perifania" significa “orgulho”, "ceras" designa “chifre” e “ops” quer dizer “rosto”.
Fonte:
- Info Plantão - Abril
terça-feira, 13 de julho de 2010
quinta-feira, 8 de julho de 2010
Capítulo 1 - Quase um paraíso
Primeira interação
"Nos primeiros esboços da curva fractal, poucas indicações da estrutura matemática subjacente podem ser verificadas."
IAN MALCOLM
Mike Bowman assobiava animado enquanto conduzia o Land Rover pela Reserva Biológica de Cabo Blanco, no lado oeste da Costa Rica. Naquela manhã magnífica de julho, a estrada à frente era espetacular: acompanhava a beirada de um penhasco, com vistas para a mata e o azul do Pacífico. De acordo com os guias de turismo, Cabo Blanco era quase um paraíso selvagem, intocado. Ao visitá-lo Bowman sentia que suas férias retomavam o curso normal.
Bowman, trinta e seis anos, trabalhava como incorporador imobiliário em Dallas, e resolvera passar duas semanas de férias na Costa Rica, com a mulher e a filha. Na verdade a viagem fora idéia da esposa; Ellen ficara semanas a fio insistindo na beleza dos parques nacionais da Costa Rica, e no quanto Tina aproveitaria os passeios. Depois ,que chegaram ao país, ele descobrira que Ellen tinha consulta marcada com um cirurgião plástico em San José. Então ouvira falar, pela primeira vez, nas cirurgias plásticas baratas e excelentes disponíveis na Costa Rica, e nas clínicas particulares de luxo de San José.
Claro, saiu uma briga feia. Mike achou que ela mentira, e tinha razão. E recusou-se a aceitar a história da cirurgia plástica. De qualquer modo era uma idéia ridícula, Ellen, uma linda mulher, tinha apenas trinta anos. Puxa vida, ela fora a rainha da turma em Rice, há menos de dez anos. Mas Ellen mostrava fortes tendências para a insegurança e a preocupação excessiva. E nos últimos anos, pelo jeito, preocupara-se excessivamente com a perda da beleza.
Com isso e com quase tudo.
O Land Rover caiu num buraco, espalhando lama. Sentada ao lado dele, Ellen indagou:
— Mike, tem certeza de que pegamos a estrada certa? Não vemos ninguém há horas.
— Passamos por um carro há quinze minutos. Lembra-se, aquele azul?
— Seguindo para o outro lado...
— Amor, você pediu para ir a uma praia deserta. O que esperava? Ellen balançou a cabeça, insegura.
— Tomara que tenha razão.
— Isso, papai, tomara mesmo — Christina repetiu no banco traseiro. Tinha oito anos.
— Confiem em mim, estamos no caminho certo. — Ele dirigiu em silêncio por algum tempo. — Não é maravilhoso? Olhem que vista. Linda.
— Serve — Tina falou.
Ellen apanhou o estojo de maquiagem e o abriu, olhando-se no pequeno espelho, massageando a área sob os olhos. Depois, suspirando, fechou o estojo.
A estrada começava a descer, e Mike Bowman concentrou-se no volante. Repentinamente uma pequena sombra escura cruzou veloz o caminho, e Tina gritou:
— Olhem lá! Olhem lá! — Mas a sombra sumira na mata.
— O que era? — Ellen perguntou. — Um sagüi?
— Talvez fosse um sagüi — Bowman admitiu.
— Posso marcar? — Tina perguntou, pegando o lápis. Ela estava fazendo uma lista de todos os animais avistados, como trabalho escolar.
— Não sei — Mike hesitou.
Tina consultou as ilustrações em seu livro.
— Não creio que tenha sido um sagüi. Acho que era só mais um macaco comum. — Já tinham visto muitos macacos durante a viagem. — Puxa vida — ela continuou animada. — De acordo com o livro, "as praias de Cabo Blanco apresentam grande variedade de animais silvestres, inclusive macacos de cara branca, preguiças e quatis". Acha que vamos ver um bicho-preguiça, papai?
— Aposto que sim.
— Sério mesmo?
— É só se olhar no espelho.
— Não achei graça nenhuma, pai.
A ladeira varava a floresta, dando na beira do mar.
Mike Bowman sentiu-se um herói ao chegar finalmente à praia, três quilômetros de areia branca em crescente, completamente deserta. Estacionando o Land Rover à sombra das palmeiras que acompanhavam a orla, apanhou a cesta de piquenique. Ellen vestiu o maio, reclamando:
— Honestamente, não sei o que vou fazer para me livrar desta gordura toda.
— Você está ótima, doçura. — Na verdade, ele a achava muito magra, mas aprendera a não falar nisso.
Tina já corria pela areia da praia.
— Não se esqueça de passar o protetor solar! — Ellen gritou.
— Mais tarde — Tina retrucou por cima do ombro. — Primeiro vou procurar uma preguiça.
Ellen Bowman examinou a praia e a mata fechada.
— Acha que não tem perigo?
— Amor, não tem ninguém nem a quilômetros daqui.
— E as cobras?
— Pelo amor de Deus! — Mike exclamou. — Não há cobras na praia.
— Mas e se tiver...
— Doçura, as cobras têm sangue frio. São répteis. Não podem controlar a temperatura do corpo. A areia está pelando, a uns trinta e cinco graus. Se uma cobra se atrever a passar ali, vai morrer cozida, juro. Não há cobras na praia. — Ele observou enquanto a filha corria, um pontinho escuro na areia alva. — Deixe-a ir. Está se divertindo.
E passou o braço em torno da cintura da mulher.
Tina correu até se cansar e depois deitou-se na areia, rolando até a beira do mar. A água estava quente, quase sem ondas. Sentou-se por um momento, para recuperar o fôlego, olhando para os pais e o jipe, calculando o quanto se distanciara.
A mãe acenou, pedindo que voltasse. Tina fez um gesto, fingindo não entender. Não queria passar protetor solar. E não queria voltar e ouvir a mãe reclamar do excesso de peso. Queria ficar ali mesmo, e quem sabe achar uma preguiça.
Tina vira uma preguiça há dois dias, no zoológico de San José. O bicho parecia um personagem dos Muppets, inofensivo. De qualquer modo, não conseguia se mover com rapidez. Ela poderia facilmente deixá-la para trás na corrida.
Quando a mãe começou a gritar, Tina resolveu ir para a sombra, afastando-se do mar, procurando abrigo sob as palmeiras. Naquela parte da praia as palmeiras erguiam-se sobre um emaranhado de raízes do mangue, que impediam a exploração da área. Tina sentou-se na areia e chutou as raízes do manguezal. Encontrou várias pegadas de pássaros na areia. A Costa Rica era um país famoso pelos pássaros. Os livros diziam que havia ali o triplo de aves em comparação com os Estados Unidos e Canadá juntos.
Na areia, viu três marcas da pegada de algum pássaro tão pequenas, tão leves, que mal podiam ser identificadas. Havia outras pegadas maiores, fundas. Tina olhava distraidamente para as marcas quando ouviu um bicho assobiar e percebeu um movimento entre as raízes emaranhadas do manguezal.
As preguiças assobiavam? Tina duvidava, mas não tinha certeza. Talvez fosse uma ave marinha. Ela esperou imóvel, em silêncio, atenta para o ruído farfalhante do movimento, que se repetiu. Finalmente identificou a origem do som. A poucos metros, um lagarto saiu do meio das raízes e olhou para ela.
Tina prendeu a respiração. Um novo animal para sua lista! O lagarto ergueu-se nas patas traseiras, balançando a cauda grossa, e a encarou. Em pé, como estava, atingia trinta centímetros de altura, verde-escuro, com listras marrons nas costas. As patas dianteiras minúsculas terminavam em pequenos dedos que se mexiam nervosos no ar. O lagarto empinou a cabeça ao olhá-la.
Era uma gracinha, Tina pensou. Parecia uma salamandra grande. Ela ergueu a mão e também mexeu os dedos.
O lagarto não se amedrontou. Veio em sua direção, andando sobre as patas traseiras. Pouco maior que uma galinha, movia a cabeça como se fosse uma, ao se locomover. Tina imaginou que daria um ótimo bichinho de estimação.
Ela notou que o lagarto deixava três marcas na areia, iguais a pegadas de aves. Ele acercou-se de Tina, que permaneceu imóvel, para não assustar o animalzinho. Ficou espantada com a aproximação, mas depois se lembrou de que se achava em um parque nacional. Os animais do parque sabiam que estavam protegidos. Provavelmente o lagarto era manso. Talvez estivesse querendo comida. Infelizmente não trouxera nada para lhe dar. Lentamente, Tina esticou a mão espalmada, para mostrar que não tinha comida. O lagarto parou, empinou a cabeça e sibilou.
— Que pena! — Tina disse. — Não tenho nada agora.
De repente, sem aviso, o lagarto pulou em sua palma aberta. Tina sentiu os pequenos dedos perfurando a pele da mão e o peso surpreendente do animal pressionando seu braço para baixo.
Em seguida o lagarto trepou pelo braço, buscando seu rosto.
— Eu preferiria que ela ficasse à vista — Ellen Bowman disse, semicerrando os olhos por causa do sol. — Só isso. Poder vê-la.
— Aposto que está ótima — Mike retrucou, verificando a cesta de piquenique preparada no hotel. O frango assado parecia pouco apetitoso, e havia também uma espécie de torta de carne. Ellen jamais comeria aquilo.
— Acha que ela se afastou da praia? — Ellen insistiu.
— Não, doçura, não acho.
— Eu me sinto tão isolada aqui.
— Pensei que era isso que pretendia.
— E era.
— Então qual é o problema?
— Gostaria que ela ficasse à vista, só isso — Ellen repetiu. Nesse momento, trazida pelo vento, ouviram a voz da filha na praia.
Ela estava gritando.
"Nos primeiros esboços da curva fractal, poucas indicações da estrutura matemática subjacente podem ser verificadas."
IAN MALCOLM
Mike Bowman assobiava animado enquanto conduzia o Land Rover pela Reserva Biológica de Cabo Blanco, no lado oeste da Costa Rica. Naquela manhã magnífica de julho, a estrada à frente era espetacular: acompanhava a beirada de um penhasco, com vistas para a mata e o azul do Pacífico. De acordo com os guias de turismo, Cabo Blanco era quase um paraíso selvagem, intocado. Ao visitá-lo Bowman sentia que suas férias retomavam o curso normal.
Bowman, trinta e seis anos, trabalhava como incorporador imobiliário em Dallas, e resolvera passar duas semanas de férias na Costa Rica, com a mulher e a filha. Na verdade a viagem fora idéia da esposa; Ellen ficara semanas a fio insistindo na beleza dos parques nacionais da Costa Rica, e no quanto Tina aproveitaria os passeios. Depois ,que chegaram ao país, ele descobrira que Ellen tinha consulta marcada com um cirurgião plástico em San José. Então ouvira falar, pela primeira vez, nas cirurgias plásticas baratas e excelentes disponíveis na Costa Rica, e nas clínicas particulares de luxo de San José.
Claro, saiu uma briga feia. Mike achou que ela mentira, e tinha razão. E recusou-se a aceitar a história da cirurgia plástica. De qualquer modo era uma idéia ridícula, Ellen, uma linda mulher, tinha apenas trinta anos. Puxa vida, ela fora a rainha da turma em Rice, há menos de dez anos. Mas Ellen mostrava fortes tendências para a insegurança e a preocupação excessiva. E nos últimos anos, pelo jeito, preocupara-se excessivamente com a perda da beleza.
Com isso e com quase tudo.
O Land Rover caiu num buraco, espalhando lama. Sentada ao lado dele, Ellen indagou:
— Mike, tem certeza de que pegamos a estrada certa? Não vemos ninguém há horas.
— Passamos por um carro há quinze minutos. Lembra-se, aquele azul?
— Seguindo para o outro lado...
— Amor, você pediu para ir a uma praia deserta. O que esperava? Ellen balançou a cabeça, insegura.
— Tomara que tenha razão.
— Isso, papai, tomara mesmo — Christina repetiu no banco traseiro. Tinha oito anos.
— Confiem em mim, estamos no caminho certo. — Ele dirigiu em silêncio por algum tempo. — Não é maravilhoso? Olhem que vista. Linda.
— Serve — Tina falou.
Ellen apanhou o estojo de maquiagem e o abriu, olhando-se no pequeno espelho, massageando a área sob os olhos. Depois, suspirando, fechou o estojo.
A estrada começava a descer, e Mike Bowman concentrou-se no volante. Repentinamente uma pequena sombra escura cruzou veloz o caminho, e Tina gritou:
— Olhem lá! Olhem lá! — Mas a sombra sumira na mata.
— O que era? — Ellen perguntou. — Um sagüi?
— Talvez fosse um sagüi — Bowman admitiu.
— Posso marcar? — Tina perguntou, pegando o lápis. Ela estava fazendo uma lista de todos os animais avistados, como trabalho escolar.
— Não sei — Mike hesitou.
Tina consultou as ilustrações em seu livro.
— Não creio que tenha sido um sagüi. Acho que era só mais um macaco comum. — Já tinham visto muitos macacos durante a viagem. — Puxa vida — ela continuou animada. — De acordo com o livro, "as praias de Cabo Blanco apresentam grande variedade de animais silvestres, inclusive macacos de cara branca, preguiças e quatis". Acha que vamos ver um bicho-preguiça, papai?
— Aposto que sim.
— Sério mesmo?
— É só se olhar no espelho.
— Não achei graça nenhuma, pai.
A ladeira varava a floresta, dando na beira do mar.
Mike Bowman sentiu-se um herói ao chegar finalmente à praia, três quilômetros de areia branca em crescente, completamente deserta. Estacionando o Land Rover à sombra das palmeiras que acompanhavam a orla, apanhou a cesta de piquenique. Ellen vestiu o maio, reclamando:
— Honestamente, não sei o que vou fazer para me livrar desta gordura toda.
— Você está ótima, doçura. — Na verdade, ele a achava muito magra, mas aprendera a não falar nisso.
Tina já corria pela areia da praia.
— Não se esqueça de passar o protetor solar! — Ellen gritou.
— Mais tarde — Tina retrucou por cima do ombro. — Primeiro vou procurar uma preguiça.
Ellen Bowman examinou a praia e a mata fechada.
— Acha que não tem perigo?
— Amor, não tem ninguém nem a quilômetros daqui.
— E as cobras?
— Pelo amor de Deus! — Mike exclamou. — Não há cobras na praia.
— Mas e se tiver...
— Doçura, as cobras têm sangue frio. São répteis. Não podem controlar a temperatura do corpo. A areia está pelando, a uns trinta e cinco graus. Se uma cobra se atrever a passar ali, vai morrer cozida, juro. Não há cobras na praia. — Ele observou enquanto a filha corria, um pontinho escuro na areia alva. — Deixe-a ir. Está se divertindo.
E passou o braço em torno da cintura da mulher.
Tina correu até se cansar e depois deitou-se na areia, rolando até a beira do mar. A água estava quente, quase sem ondas. Sentou-se por um momento, para recuperar o fôlego, olhando para os pais e o jipe, calculando o quanto se distanciara.
A mãe acenou, pedindo que voltasse. Tina fez um gesto, fingindo não entender. Não queria passar protetor solar. E não queria voltar e ouvir a mãe reclamar do excesso de peso. Queria ficar ali mesmo, e quem sabe achar uma preguiça.
Tina vira uma preguiça há dois dias, no zoológico de San José. O bicho parecia um personagem dos Muppets, inofensivo. De qualquer modo, não conseguia se mover com rapidez. Ela poderia facilmente deixá-la para trás na corrida.
Quando a mãe começou a gritar, Tina resolveu ir para a sombra, afastando-se do mar, procurando abrigo sob as palmeiras. Naquela parte da praia as palmeiras erguiam-se sobre um emaranhado de raízes do mangue, que impediam a exploração da área. Tina sentou-se na areia e chutou as raízes do manguezal. Encontrou várias pegadas de pássaros na areia. A Costa Rica era um país famoso pelos pássaros. Os livros diziam que havia ali o triplo de aves em comparação com os Estados Unidos e Canadá juntos.
Na areia, viu três marcas da pegada de algum pássaro tão pequenas, tão leves, que mal podiam ser identificadas. Havia outras pegadas maiores, fundas. Tina olhava distraidamente para as marcas quando ouviu um bicho assobiar e percebeu um movimento entre as raízes emaranhadas do manguezal.
As preguiças assobiavam? Tina duvidava, mas não tinha certeza. Talvez fosse uma ave marinha. Ela esperou imóvel, em silêncio, atenta para o ruído farfalhante do movimento, que se repetiu. Finalmente identificou a origem do som. A poucos metros, um lagarto saiu do meio das raízes e olhou para ela.
Tina prendeu a respiração. Um novo animal para sua lista! O lagarto ergueu-se nas patas traseiras, balançando a cauda grossa, e a encarou. Em pé, como estava, atingia trinta centímetros de altura, verde-escuro, com listras marrons nas costas. As patas dianteiras minúsculas terminavam em pequenos dedos que se mexiam nervosos no ar. O lagarto empinou a cabeça ao olhá-la.
Era uma gracinha, Tina pensou. Parecia uma salamandra grande. Ela ergueu a mão e também mexeu os dedos.
O lagarto não se amedrontou. Veio em sua direção, andando sobre as patas traseiras. Pouco maior que uma galinha, movia a cabeça como se fosse uma, ao se locomover. Tina imaginou que daria um ótimo bichinho de estimação.
Ela notou que o lagarto deixava três marcas na areia, iguais a pegadas de aves. Ele acercou-se de Tina, que permaneceu imóvel, para não assustar o animalzinho. Ficou espantada com a aproximação, mas depois se lembrou de que se achava em um parque nacional. Os animais do parque sabiam que estavam protegidos. Provavelmente o lagarto era manso. Talvez estivesse querendo comida. Infelizmente não trouxera nada para lhe dar. Lentamente, Tina esticou a mão espalmada, para mostrar que não tinha comida. O lagarto parou, empinou a cabeça e sibilou.
— Que pena! — Tina disse. — Não tenho nada agora.
De repente, sem aviso, o lagarto pulou em sua palma aberta. Tina sentiu os pequenos dedos perfurando a pele da mão e o peso surpreendente do animal pressionando seu braço para baixo.
Em seguida o lagarto trepou pelo braço, buscando seu rosto.
— Eu preferiria que ela ficasse à vista — Ellen Bowman disse, semicerrando os olhos por causa do sol. — Só isso. Poder vê-la.
— Aposto que está ótima — Mike retrucou, verificando a cesta de piquenique preparada no hotel. O frango assado parecia pouco apetitoso, e havia também uma espécie de torta de carne. Ellen jamais comeria aquilo.
— Acha que ela se afastou da praia? — Ellen insistiu.
— Não, doçura, não acho.
— Eu me sinto tão isolada aqui.
— Pensei que era isso que pretendia.
— E era.
— Então qual é o problema?
— Gostaria que ela ficasse à vista, só isso — Ellen repetiu. Nesse momento, trazida pelo vento, ouviram a voz da filha na praia.
Ela estava gritando.
sábado, 3 de julho de 2010
Saurópodes do Cretáceo faziam ninhos em ambientes hidrotermais
Os saurópodes do cretáceo escolhiam ambientes hidrotermais para nidificar, segundo uma pesquisa realizada com 80 ninhos encontrados na localidade de Sanagasta, na província argentina de La Rioja (noroeste), informou uma fonte científica.
"Análises sedimentares e geoquímicas de 80 ninhadas e seus grandes ovos com cascas grossas indicam que os saurópodes de Sanagasta usavam especificamente a umidade e a termorradiação do solo para incubar seus ovos", explicou o cientista argentino Lucas Fiorelli.
Segundo Fiorelli, autor ao lado do americano Gerald Grellet-Tinner de uma pesquisa publicada na revista Nature Communications, "pela primeira é mostrado um 'gatilho ecológico' do comportamento" destes dinossauros.
Os saurópodes nidificavam "de forma semelhante ao que fazem algumas poucas espécies de aves, por exemplo, as megápodes - tipo de galinha maior, originária de uma ilha da Polinésia -, conhecidas por colocar os ovos em buracos aquecidos por atividade vulcânica", afirmou o cientista.
O sítio de Sanagasta, localizado a 1.200 km a noroeste de Buenos Aires e 1.200 metros acima do nível do mar, lança luz sobre questões relacionadas com os paleoambientes e a paleobiologia dos dinossauros, explicou em comunicado o Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet).
Embora nas últimas décadas tenham sido descobertos muitos locais de nidificação colonial de saurópodes Cretácicos, de pescoço longo como o Argentinossauro, nenhum estudo havia conseguido elucidar os fatores determinantes para a escolha destes sítios, explica o Conicet.
A descoberta do sítio de nidificação colonial em Sanagasta mostra a fidelidade ao local ao longo de um vasto período de tempo e uma estreita relação entre a ninhada e um ambiente hidrotermal peculiar que favorecia a incubação, diz a pesquisa, acrescentando que a análise da microestrutura da casca e dos sedimentos evidenciam a dependência biológica com o meio, de grande umidade do solo e calor hidrotermal.
"Isto certamente desempenhou um papel chave em sua progressiva diversificação e posterior extinção devido às rápidas mudanças ambientais do final do Cretáceo", avaliou Fiorelli.
O sítio de nidificação foi descoberto em 2001 por um grupo encabeçado pelo argentino Mario Hunicken.
O Cretáceo começou há 145 milhões de anos e terminou há 65 milhões de anos.
Fonte:
- AFP
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Fósseis de 310 milhões de anos encontrados
Fósseis vegetais com 310 milhões de anos foram descobertos esta semana, em Arouca, onde apesar de referências antigas à existência de exemplares do género, só haviam sido detectadas, até agora, formações de origem animal, escreve a Lusa.
«Descobrimos no vale do Rio Paiva quinze espécies diferentes de plantas, todas do Período Carbónico», revelou esta sexta-feira Artur Sá, coordenador científico do Geoparque de Arouca, espaço que integra a Rede Europeia de Geoparques da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
O paleontólogo explicou que «a geologia indicava que isto era uma possibilidade real, mas ainda não tínhamos encontrado nenhum fóssil destes».
«Isto é muito bom a nível científico, porque representa mais uma ocorrência geológica invulgar dentro do Geoparque de Arouca e prova que ainda há muito trabalho a fazer neste território», disse.
As centenas de fósseis vegetais foram descobertas com a ajuda de oito alunos do ensino secundário que, ao abrigo do programa «Ciência Viva no verão», acompanharam Artur Sá em actividades de paleontologia em Arouca.
«Procurámos mais jazidas fossilíferas», acrescentou o coordenador científico do Geoparque, precisando que «o referencial tem sido sobretudo a Pedreira do Valério, em Canelas, mas há outras zonas por explorar».
Jovens de Albufeira, Amarante, Barreiro, Guimarães, Lisboa e Vizela participaram na descoberta dos vestígios de plantas «que são parecidas com os fetos actuais» e estão preservadas em rochas que, em alguns casos, «chegam a ter 15 centímetros de comprimento».
Os fósseis vegetais descobertos vão agora ser estudados a fundo e fotografados, sendo depois objecto de publicação científica e de divulgação na IX Conferência da Rede Europeia de Geoparques da UNESCO, a realizar de 1 a 5 de Outubro, em Lesvos, na Grécia.
Fonte:
«Descobrimos no vale do Rio Paiva quinze espécies diferentes de plantas, todas do Período Carbónico», revelou esta sexta-feira Artur Sá, coordenador científico do Geoparque de Arouca, espaço que integra a Rede Europeia de Geoparques da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
O paleontólogo explicou que «a geologia indicava que isto era uma possibilidade real, mas ainda não tínhamos encontrado nenhum fóssil destes».
«Isto é muito bom a nível científico, porque representa mais uma ocorrência geológica invulgar dentro do Geoparque de Arouca e prova que ainda há muito trabalho a fazer neste território», disse.
As centenas de fósseis vegetais foram descobertas com a ajuda de oito alunos do ensino secundário que, ao abrigo do programa «Ciência Viva no verão», acompanharam Artur Sá em actividades de paleontologia em Arouca.
«Procurámos mais jazidas fossilíferas», acrescentou o coordenador científico do Geoparque, precisando que «o referencial tem sido sobretudo a Pedreira do Valério, em Canelas, mas há outras zonas por explorar».
Jovens de Albufeira, Amarante, Barreiro, Guimarães, Lisboa e Vizela participaram na descoberta dos vestígios de plantas «que são parecidas com os fetos actuais» e estão preservadas em rochas que, em alguns casos, «chegam a ter 15 centímetros de comprimento».
Os fósseis vegetais descobertos vão agora ser estudados a fundo e fotografados, sendo depois objecto de publicação científica e de divulgação na IX Conferência da Rede Europeia de Geoparques da UNESCO, a realizar de 1 a 5 de Outubro, em Lesvos, na Grécia.
Fonte:
- Iol Diário
E se um meteorito como o que exterminou os dinossauros caísse hoje sobre a Terra. O que faríamos?
Há cerca de 65 milhões de anos, um grande asteróide colidiu com a Terra e exterminou todos os dinossauros. E se a história se repetisse hoje, será que humanidade teria salvação?
Esqueça os filmes hollywoodianos. Se um impacto semelhante estivesse se aproximando novamente do planeta azul, a melhor arma seria algo já bastante conhecido dos terráqueos: a tecnologia nuclear.
“Asteróides vão atingir a Terra. Muitos podem ser pequenos, mas o que nos preocupa é o que faremos em situações consideradas extremas, mas reais”, diz o físico David Dearborn, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, um centro de pesquisa comandado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos. “No caso de algo maior, temos que ter uma opção para agirmos e, se um asteróide for grande, a explosão nuclear é a única opção que tem a capacidade de evitar o impacto”, diz.
Desde 2002, Dearborn é o responsável por um projeto cuja missão é entender justamente a reação dos asteróides às explosões nucleares. Com supercomputadores, ele simula diversos cenários usando os dados do Near Earth Object Project, um projeto da NASA que monitora objetos próximos à Terra.
“Seria um erro dizer que explosões nucleares são a solução para tudo. Para objetos pequenos, missões como a Deep Impact poderiam dar conta”, diz o pesquisador, se referindo ao programa da NASA que, como o nome diz, causa impactos em corpos celestes. “No entanto, para qualquer corpo acima de 500 metros de diâmetro, ainda não existe outra tecnologia que não a nuclear”.
Quem assistiu ao filme Armageddon talvez se preocupe com esta possibilidade. Afinal, os detritos da explosão de um corpo celeste em alta velocidade do espaço poderiam muito bem atingir a Terra e causar grandes danos.... Certo?
Errado. Ao contrário do imaginário popular, a solução para a vinda de um asteróide não seria explodi-lo, mas sim mudar a sua trajetória. “Um dos argumentos contra o uso da energia nuclear nestes casos seria o de que necessariamente ela fragmentaria o asteróide, mas isso não acontece”, garante Dearborn.
Isso porque os explosivos seriam detonados ao lado do objeto, dando impulso para desviá-lo. “As pessoas geralmente pensam nos efeitos de uma bomba atômica na Terra, mas um explosivo liberado no vácuo é diferente. Ele libera muita energia em pouca massa”, explica ele.
O resultado é que são gerados pulsos de raios-X, raios gama e nêutrons. Bastaria combinar os diferentes tipos de explosivos nucleares para otimizar o efeito desejado no asteróide. “Essa energia liberada será absorvida na atmosfera próxima do asteróide. Basta vaporizar entre 10 e 20 cm de sua superfície, formando um gás que, expandido, dá um impulso que muda a velocidade do asteróide”, explica.
Quanto mais longe estiver o asteróide, menor a mudança de velocidade necessária para fazê-lo alterar sua rota. Se a descoberta for feita com uma década de antecedência, por exemplo, bastaria alterar a velocidade em 1 cm por segundo.
Os modelos do pesquisador David Dearborn consideram apenas asteróides de até 1 km de diâmetro. Para desviá-lo, seria necessário utilizar 900 toneladas de explosivo. “ Mas apenas 15 ou 16 toneladas atingem sua superfície, sendo que somente 10 são absorvidas”, diz ele. A maioria da energia vai para o espaço, mas o que é absorvido é suficiente para aquecer quatro ou cinco toneladas em gás. “Parece muito, mas um corpo de 1 km de diâmetro possui uma massa de um bilhão de toneladas”.
O motivo para a equipe de Dearborn não realizar projeções com corpos maiores do que 1km é que eles simplesmente não são uma ameaça iminente. “Felizmente, o programa Near Earth, que observa os corpos próximos à Terra, não detectou nada maior do que estas medidas”, diz.
O monitoramento feito pela NASA classifica os objetos dentro ou fora da zona de perigo e, conforme mais observações são feita, eles acabam sendo descartados porque prova-se que não são uma ameaça. “Muito provavelmente, eles descobririam algum objeto que atingiria a Terra com 60 anos de antecedência”, diz o professor Dearbonr, alertando que isto é tempo mais do que suficiente para se programar e enviar a solução mais alequeada.
“Você pode estudar o objeto e chegar a uma solução otimizada. Se for grande, teremos que considerar explosões nucleares porque simplesmente não temos uma outra tecnologia que dê o impulso necessário para alterar a rota de colisão”, diz.
No entanto, a tecnologia nuclear enfrenta diversas críticas. “Há uma certa relutância a explosivos nucleares porque as pessoas não os vêem como ferramenta, e sim como arma, pois esta é a maneira como mais foram utilizados”, diz. “No entanto, dizer que a ameaça de asteróides é uma maneira de legitimar esses armamentos é uma falácia”.
Mas e pensando novamente no filme Armageddon, no qual a humanidade tem pouco tempo para destruir um asteróide, o que seria possível fazer? E no caso de um corpo gigante, como o que causou a extinção dos dinossauros e possuía 10 km de diâmetro, existe solução?
“Uma missão tripulada não é uma possibilidade. Neste cenário de descoberta atrasada, uma solução seria colocar um explosivo nuclear na superfície do próprio asteróide – mas não com a finalidade de explodi-lo, e sim para gerar força o suficiente para desviar sua rota”, diz.
No pior dos casos, Dearborn diz que a explosão poderia ser realizada para “trocar a certeza de que tudo nos atingirá pela possibilidade de que apenas alguns detritos cheguem até nós”.
O professor diz, no entanto, que não adianta tentar alterar rotas com previsão de choque de mais de 100 anos simplesmente porque elas ainda são muito imprecisas. “A coisa mais perigosa a se fazer é começar a mexer em asteróides que não temos certeza ainda se colidiriam com a Terra...”, alerta.
Fonte:
- Info Online
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Prólogo: "A mordida do raptor"
Chovia a cântaros naquela região tropical, a água martelava o teto de zinco da clínica, descia gorgolejando pelas calhas galvanizadas, explodia no chão em uma torrente. Roberta Carter suspirou, olhando pela janela. Ali da clínica mal dava para ver a praia, ou o oceano ao longe, encoberto pela neblina baixa. Não era bem isso que esperava quando chegara a Bahia Anasco, uma vila de pescadores na parte oeste do litoral da Costa Rica, para passar dois meses como médica visitante. Bobbie Carter procurava sol e sossego, depois de dois anos estafantes de residência no pronto-socorro do hospital Michael Reese de Chicago.
Ela já se encontrava há três semanas em Bahia Anasco. E chovia diariamente.
No mais ia tudo bem. Gostava do isolamento da região e da cordialidade das pessoas. A Costa Rica possuía um dos vinte melhores serviços médicos do mundo, e até naquela vila remota da costa havia uma clínica bem aparelhada. Manuel Aragón, o enfermeiro, era inteligente e bem treinado. Bobbie conseguia praticar o mesmo nível de medicina a que se habituara em Chicago.
Mas como chovia! Uma chuva constante, interminável!
Do outro lado da sala de atendimento, Manuel virou a cabeça.
— Escute — falou.
— Creia em mim, eu escuto — Bobbie retrucou.
— Falo sério. Ouça.
Só então ela percebeu outro som, misturado à chuva, um ronco surdo que engrossou até encorpar o suficiente para ser ouvido claramente: o latejar ritmado de um helicóptero. Pensou que era loucura voar com um tempo daqueles.
Mas o som cresceu mais, e o helicóptero rompeu a névoa do oceano e roncou acima deles, circulou e voltou. Ela viu quando o aparelho balançou por cima da água, perto dos barcos de pesca, depois passou de lado pelo instável cais de madeira e retornou à praia.
Procurava um lugar para pousar.
Era um Sikorsky barrigudo, com uma listra azul na lateral, com as palavras "InGen Construções", nome da companhia responsável por um novo empreendimento turístico numa das ilhas. Tratava-se de um local de veraneio espetacular, além de muito complicado; diversos moradores locais tinham sido contratados para a obra, que já se arrastava havia mais de dois anos. Bobbie podia imaginar direitinho como seria — um imenso complexo hoteleiro do tipo americano, com piscinas e quadras de tênis, onde os hóspedes podiam jogar e tomar seus daiquiris sem ter nenhum contato com a vida real do país.
Bobbie ficou a imaginar o que haveria de tão urgente na ilha para obrigar o helicóptero a voar no meio da tempestade. Viu, pela janela, quando o piloto suspirou aliviado, ao conseguir pousar na areia molhada da praia. Homens uniformizados saltaram, escancarando a porta lateral. Ela ouviu gritos frenéticos, e Manuel a cutucou delicadamente.
Eles precisavam de um médico.
Dois empregados negros carregaram um homem prostrado até ela, enquanto um branco gritava ordens. O sujeito branco usava um impermeável amarelo. O cabelo ruivo despontava nas beiras do boné de beisebol dos Mets.
— Tem um médico aqui? — perguntou, quando ela se aproximou.
— Sou a doutora Carter — respondeu Bobbie. A chuva forte martelava sua cabeça e seus ombros. O ruivo franziu a testa para ela, que usava jeans e uma blusa curta. Carregava o estetoscópio no ombro, já meio enferrujado por causa da maresia.
— Sou Ed Regis. Trouxemos um homem muito doente, doutora.
— Então é melhor levá-lo para San José — ela disse. San José era a capital, e ficava a vinte minutos de distância, pelo ar.
— Seria bom, mas não conseguiríamos passar as montanhas com este tempo. Vai precisar cuidar dele aqui mesmo.
Bobbie caminhou ao lado do homem ferido enquanto o carregavam para dentro da clínica. Era moço, quase menino, dezoito anos no máximo. Erguendo a camisa empapada de sangue, ela viu um rasgo ao longo do ombro, e outro na perna.
— O que aconteceu?
— Acidente de trabalho — Ed gritou. — Caiu. Uma retroescavadeira passou por cima dele.
O rapaz estava pálido, trêmulo, inconsciente.
Manuel ficou parado na porta verde brilhante da clínica, indicando o caminho. Os homens transportaram o ferido para dentro, e o acomodaram na mesa existente no centro da sala. Manuel providenciou soro por via intravenosa, e Bobbie acendeu a luz sobre o rapaz, debruçando-se para examinar os ferimentos. Imediatamente percebeu que o estado do moço era crítico. Morreria, com toda certeza.
Uma laceração larga começava no ombro e terminava no torso. No final do ferimento, a carne se reduzira a tiras. No centro, o ombro fora deslocado, expondo os ossos claros. Um segundo golpe retalhara os músculos pesados da coxa, em profundidade, deixando visível a pulsação da artéria femoral sob eles. A primeira impressão de Bobbie foi de que a perna havia sido rasgada.
— Fale mais sobre o acidente — pediu ao ruivo.
— Eu não vi nada. Disseram que a retroescavadeira o pegou.
— Parece até que foi atacado por uma fera — ela comentou, examinando a ferida. Como a maioria dos médicos de pronto-socorro, lembrava-se detalhadamente de pacientes que atendera há anos. Havia tratado de dois casos de ataque por animais. No primeiro, uma criança de dois anos fora mordida por um cão Rottweiler. No outro, um funcionário do circo embriagado tivera um encontro com o tigre de Bengala. Os dois ferimentos eram similares. As marcas deixadas por animais possuíam um aspecto inconfundível.
— Atacado? Que nada! Impossível, acredite em mim — Ed contestou, molhando os lábios com a língua ao falar. Agia evasivamente, como se houvesse feito algo de errado. Bobbie ficou intrigada. Caso utilizassem mão-de-obra local, sem qualificação, na construção do balneário, os acidentes certamente seriam comuns.
— Quer uma limpeza? — Manuel indagou.
— Sim. Depois da anestesia.
Abaixando-se mais, ela tateou o ferimento com a ponta do dedo. Se uma retroescavadeira o atingira, haveria terra entranhada na carne. Mas não encontrou nenhuma sujeira, apenas uma espécie de espuma, pegajosa. E o ferimento emitia um odor estranho, como um cheiro de morte e podridão. Ela nunca havia sentido um cheiro assim antes.
— Há quanto tempo ocorreu o acidente?
— Cerca de uma hora.
Mais uma vez Ed Regis mostrou seu nervosismo. Era um tipo ansioso, agitado. E não tinha cara de empreiteiro da construção civil. Parecia um executivo. Obviamente, estava fora de seu ambiente.
Bobbie Carter concentrou-se nos ferimentos. Não conseguia identificar um trauma mecânico. As indicações não conferiam. Nenhuma contaminação por terra no local atingido, nenhuma contusão. Traumas mecânicos de qualquer origem — acidente de automóvel ou numa fábrica — quase sempre apresentavam contusões. Mas não havia nenhuma. Em vez disso, a pele do paciente fora rasgada — lacerada — no ombro e na coxa.
Na verdade parecia mais uma mordida. Por outro lado, o corpo não apresentava arranhões generalizados, típicos de um ataque de animal. Ela examinou novamente a cabeça, os braços, as mãos...
As mãos.
Sentiu um arrepio ao olhar para as mãos do rapaz. Havia cortes pequenos, rasgos nas palmas, e pontos arroxeados nos punhos e ante-braços. Ela trabalhara em Chicago tempo suficiente para saber o que significavam.
— Muito bem — disse a Ed —, espere lá fora.
— Por quê? — ele perguntou alarmado. Não gostara da ordem.
— Quer que eu o ajude ou não? — impacientou-se Bobbie, empurrando-o e fechando a porta na cara dele. Não sabia o que se passava, e não se sentia à vontade.
Manuel hesitou.
— Continuo a limpeza?
— Sim — ela concordou, erguendo a Olympus de foco automático. Tirou várias fotos dos ferimentos, posicionando a luz para conseguir detalhes. Parecia mesmo uma mordida, pensou. O rapaz gemeu, e ela guardou a câmera, debruçando-se sobre o paciente. Os lábios dele moveram-se, a língua enrolada.
— Raptor — ele murmurou. — Lo sa raptor...
Ao ouvir tais palavras, Manuel gelou, recuando horrorizado.
— O que quer dizer? — Bobbie perguntou. Manuel abanou a cabeça.
— Não sei, doutora. Lo sa raptor não é espanhol.
— Não? — Para ela parecia espanhol. — Por favor, prossiga com a limpeza.
— Não posso, doutora. Cheiro ruim. — Ele franziu o nariz e fez o sinal da cruz.
Bobbie deteve-se nos restos de espuma pegajosa existentes no ferimento. Tocou-a, esfregando o material entre os dedos. Assemelhava-se um pouco com a saliva.
Os lábios do rapaz ferido mexeram-se de novo.
— Raptor — sussurrou.
— Ele o mordeu — disse Manuel aterrorizado.
— Quem o mordeu?
— O raptor.
— O que é raptor?
— Significa hupia.
Bobbie franziu a testa. Os costarriquenhos não eram excessivamente supersticiosos, mas já ouvira menções aos hupias na vila. Segundo a lenda, eram aparições noturnas, vampiros sem rosto que raptavam crianças pequenas. Viviam antes nas montanhas da Costa Rica, e agora habitavam as ilhas da costa.
Manuel recuara, fazendo de novo o sinal da cruz e murmurando:
— Este cheiro não é normal. Foi um hupia.
Bobbie estava a ponto de ordenar que o enfermeiro voltasse ao trabalho quando o rapaz machucado sentou-se na mesa, com os olhos arregalados. Manuel gritou apavorado. O paciente gemeu e virou a cabeça, lançando um olhar esgazeado para um lado e para outro, e em seguida vomitou uma golfada de sangue. Entrou imediatamente em convulsões, o corpo todo vibrando. Bobbie o agarrou, mas ele pulou da cama para o chão cimentado. Vomitou outra vez. Havia sangue por toda parte. Ed abriu a porta, gritando:
— Ei, o que está acontecendo aqui? — Mas quando viu tanto sangue recuou, com as mãos na boca.
Bobbie pegou um bastão para colocar entre os dentes do rapaz, mas percebeu que seria inútil. Com um espasmo final ele relaxou e ficou quieto, estendido no chão.
Ela se abaixou para fazer a respiração boca a boca, mas Manuel segurou seu ombro, puxando-a.
— Não. O hupia vai pegá-la.
— Manuel, por favor...
— Não. — Ele a encarou alucinado. — Não pode entender estas coisas.
Bobbie olhou para o corpo no chão e concluiu que não faria diferença; era impossível ressuscitá-lo. Manuel chamou os outros homens, que entraram na sala e levaram o corpo embora. Ed surgiu, limpando a boca com as costas da mão, resmungando:
— A senhora fez o possível, doutora.
Ela observou os homens que levavam o corpo de volta ao helicóptero e partiam trovejando rumo ao céu.
— Melhor assim — Manuel comentou.
Bobbie pensava nas mãos do rapaz. Estavam cobertas de cortes e machucados, um padrão característico de tentativa de defesa. Tinha certeza absoluta de que ele não sofrerá um acidente de trabalho. Havia sido atacado, e erguera as mãos para se proteger.
— Onde fica essa ilha de onde vieram?
— No oceano. Mais ou menos a cento e cinqüenta ou duzentos quilômetros da costa.
— Meio longe para um balneário. Manuel observou o helicóptero.
— Espero que não voltem nunca mais aqui.
Bem, pensou Bobbie, pelo menos tinha tirado as fotos. Mas ao virar para a mesa, viu que a câmera desaparecera.
À noite a chuva finalmente parou. Sozinha no quarto atrás da clínica, Bobbie folheava o dicionário espanhol de bolso já muito manuseado. O rapaz falara em "raptor", e apesar do que Manuel afirmara, ela suspeitava que se tratava de uma palavra espanhola. E não deu outra, estava lá no dicionário. Significava "seqüestrador" ou "raptador".
Isso a fez pensar. O sentido da palavra era perturbadoramente próximo ao significado de hupia. Claro, ela não acreditava em superstições. E os cortes na mão não poderiam ter sido feitos por uma aparição. O que o rapaz tentara dizer a ela?
Ouviu gemidos no quarto ao lado. Uma das mulheres da vila entrara em trabalho de parto, e Elena Morales, parteira local, a auxiliava. Bobbie voltou à clínica e chamou Elena para fora por um instante.
— Elena...
— Sim, doutora?
— Sabe o que é um raptor?
Elena era uma sessentona grisalha, uma mulher forte, com os pés no chão, pouco dada a fantasias. Sob o ar da noite ela franziu o cenho e repetiu:
— Raptor?
— Sim. Já ouviu essa palavra?
— Já. Quer dizer... alguém que entra à noite e leva uma criança.
— Um seqüestrador?
— Sim.
— Um hupia?
A atitude da mulher mudou de imediato.
— Não diga essa palavra, doutora.
— Por que não?
— Não fale em hupias agora — Elena pediu com firmeza, indicando com um movimento da cabeça a mulher que se preparava para o parto. — Não convém dizer essa palavra.
— Mas um raptor morde e lacera as vítimas?
— Morde e lacera? — Elena pareceu surpresa. — Claro que não, doutora. Nada disso. Um raptor é um homem que leva um bebê embora. — Ela parecia irritada com a conversa, ansiosa para encerrá-la. Recuou em direção à clínica. — Eu aviso quando ela estiver pronta, doutora. Creio que ainda demora uma hora, talvez duas.
Bobbie olhou para as estrelas, e ficou ouvindo o movimento suave das ondas na praia. Na escuridão, identificou as sombras dos barcos pesqueiros ancorados. A paisagem era tão normal, tão calma, que se sentiu como uma tola, por falar em vampiros seqüestradores de bebês.
Retornou ao quarto, lembrando-se novamente de que Manuel insistira em afirmar que a palavra não era espanhola. Por curiosidade, procurou o termo no dicionário da língua inglesa, e para sua surpresa encontrou um verbete também ali:
raptor (do latim raptor, seqüestrador, der. de raptus, seqüestro, rapto): ave de rapina.
Ela já se encontrava há três semanas em Bahia Anasco. E chovia diariamente.
No mais ia tudo bem. Gostava do isolamento da região e da cordialidade das pessoas. A Costa Rica possuía um dos vinte melhores serviços médicos do mundo, e até naquela vila remota da costa havia uma clínica bem aparelhada. Manuel Aragón, o enfermeiro, era inteligente e bem treinado. Bobbie conseguia praticar o mesmo nível de medicina a que se habituara em Chicago.
Mas como chovia! Uma chuva constante, interminável!
Do outro lado da sala de atendimento, Manuel virou a cabeça.
— Escute — falou.
— Creia em mim, eu escuto — Bobbie retrucou.
— Falo sério. Ouça.
Só então ela percebeu outro som, misturado à chuva, um ronco surdo que engrossou até encorpar o suficiente para ser ouvido claramente: o latejar ritmado de um helicóptero. Pensou que era loucura voar com um tempo daqueles.
Mas o som cresceu mais, e o helicóptero rompeu a névoa do oceano e roncou acima deles, circulou e voltou. Ela viu quando o aparelho balançou por cima da água, perto dos barcos de pesca, depois passou de lado pelo instável cais de madeira e retornou à praia.
Procurava um lugar para pousar.
Era um Sikorsky barrigudo, com uma listra azul na lateral, com as palavras "InGen Construções", nome da companhia responsável por um novo empreendimento turístico numa das ilhas. Tratava-se de um local de veraneio espetacular, além de muito complicado; diversos moradores locais tinham sido contratados para a obra, que já se arrastava havia mais de dois anos. Bobbie podia imaginar direitinho como seria — um imenso complexo hoteleiro do tipo americano, com piscinas e quadras de tênis, onde os hóspedes podiam jogar e tomar seus daiquiris sem ter nenhum contato com a vida real do país.
Bobbie ficou a imaginar o que haveria de tão urgente na ilha para obrigar o helicóptero a voar no meio da tempestade. Viu, pela janela, quando o piloto suspirou aliviado, ao conseguir pousar na areia molhada da praia. Homens uniformizados saltaram, escancarando a porta lateral. Ela ouviu gritos frenéticos, e Manuel a cutucou delicadamente.
Eles precisavam de um médico.
Dois empregados negros carregaram um homem prostrado até ela, enquanto um branco gritava ordens. O sujeito branco usava um impermeável amarelo. O cabelo ruivo despontava nas beiras do boné de beisebol dos Mets.
— Tem um médico aqui? — perguntou, quando ela se aproximou.
— Sou a doutora Carter — respondeu Bobbie. A chuva forte martelava sua cabeça e seus ombros. O ruivo franziu a testa para ela, que usava jeans e uma blusa curta. Carregava o estetoscópio no ombro, já meio enferrujado por causa da maresia.
— Sou Ed Regis. Trouxemos um homem muito doente, doutora.
— Então é melhor levá-lo para San José — ela disse. San José era a capital, e ficava a vinte minutos de distância, pelo ar.
— Seria bom, mas não conseguiríamos passar as montanhas com este tempo. Vai precisar cuidar dele aqui mesmo.
Bobbie caminhou ao lado do homem ferido enquanto o carregavam para dentro da clínica. Era moço, quase menino, dezoito anos no máximo. Erguendo a camisa empapada de sangue, ela viu um rasgo ao longo do ombro, e outro na perna.
— O que aconteceu?
— Acidente de trabalho — Ed gritou. — Caiu. Uma retroescavadeira passou por cima dele.
O rapaz estava pálido, trêmulo, inconsciente.
Manuel ficou parado na porta verde brilhante da clínica, indicando o caminho. Os homens transportaram o ferido para dentro, e o acomodaram na mesa existente no centro da sala. Manuel providenciou soro por via intravenosa, e Bobbie acendeu a luz sobre o rapaz, debruçando-se para examinar os ferimentos. Imediatamente percebeu que o estado do moço era crítico. Morreria, com toda certeza.
Uma laceração larga começava no ombro e terminava no torso. No final do ferimento, a carne se reduzira a tiras. No centro, o ombro fora deslocado, expondo os ossos claros. Um segundo golpe retalhara os músculos pesados da coxa, em profundidade, deixando visível a pulsação da artéria femoral sob eles. A primeira impressão de Bobbie foi de que a perna havia sido rasgada.
— Fale mais sobre o acidente — pediu ao ruivo.
— Eu não vi nada. Disseram que a retroescavadeira o pegou.
— Parece até que foi atacado por uma fera — ela comentou, examinando a ferida. Como a maioria dos médicos de pronto-socorro, lembrava-se detalhadamente de pacientes que atendera há anos. Havia tratado de dois casos de ataque por animais. No primeiro, uma criança de dois anos fora mordida por um cão Rottweiler. No outro, um funcionário do circo embriagado tivera um encontro com o tigre de Bengala. Os dois ferimentos eram similares. As marcas deixadas por animais possuíam um aspecto inconfundível.
— Atacado? Que nada! Impossível, acredite em mim — Ed contestou, molhando os lábios com a língua ao falar. Agia evasivamente, como se houvesse feito algo de errado. Bobbie ficou intrigada. Caso utilizassem mão-de-obra local, sem qualificação, na construção do balneário, os acidentes certamente seriam comuns.
— Quer uma limpeza? — Manuel indagou.
— Sim. Depois da anestesia.
Abaixando-se mais, ela tateou o ferimento com a ponta do dedo. Se uma retroescavadeira o atingira, haveria terra entranhada na carne. Mas não encontrou nenhuma sujeira, apenas uma espécie de espuma, pegajosa. E o ferimento emitia um odor estranho, como um cheiro de morte e podridão. Ela nunca havia sentido um cheiro assim antes.
— Há quanto tempo ocorreu o acidente?
— Cerca de uma hora.
Mais uma vez Ed Regis mostrou seu nervosismo. Era um tipo ansioso, agitado. E não tinha cara de empreiteiro da construção civil. Parecia um executivo. Obviamente, estava fora de seu ambiente.
Bobbie Carter concentrou-se nos ferimentos. Não conseguia identificar um trauma mecânico. As indicações não conferiam. Nenhuma contaminação por terra no local atingido, nenhuma contusão. Traumas mecânicos de qualquer origem — acidente de automóvel ou numa fábrica — quase sempre apresentavam contusões. Mas não havia nenhuma. Em vez disso, a pele do paciente fora rasgada — lacerada — no ombro e na coxa.
Na verdade parecia mais uma mordida. Por outro lado, o corpo não apresentava arranhões generalizados, típicos de um ataque de animal. Ela examinou novamente a cabeça, os braços, as mãos...
As mãos.
Sentiu um arrepio ao olhar para as mãos do rapaz. Havia cortes pequenos, rasgos nas palmas, e pontos arroxeados nos punhos e ante-braços. Ela trabalhara em Chicago tempo suficiente para saber o que significavam.
— Muito bem — disse a Ed —, espere lá fora.
— Por quê? — ele perguntou alarmado. Não gostara da ordem.
— Quer que eu o ajude ou não? — impacientou-se Bobbie, empurrando-o e fechando a porta na cara dele. Não sabia o que se passava, e não se sentia à vontade.
Manuel hesitou.
— Continuo a limpeza?
— Sim — ela concordou, erguendo a Olympus de foco automático. Tirou várias fotos dos ferimentos, posicionando a luz para conseguir detalhes. Parecia mesmo uma mordida, pensou. O rapaz gemeu, e ela guardou a câmera, debruçando-se sobre o paciente. Os lábios dele moveram-se, a língua enrolada.
— Raptor — ele murmurou. — Lo sa raptor...
Ao ouvir tais palavras, Manuel gelou, recuando horrorizado.
— O que quer dizer? — Bobbie perguntou. Manuel abanou a cabeça.
— Não sei, doutora. Lo sa raptor não é espanhol.
— Não? — Para ela parecia espanhol. — Por favor, prossiga com a limpeza.
— Não posso, doutora. Cheiro ruim. — Ele franziu o nariz e fez o sinal da cruz.
Bobbie deteve-se nos restos de espuma pegajosa existentes no ferimento. Tocou-a, esfregando o material entre os dedos. Assemelhava-se um pouco com a saliva.
Os lábios do rapaz ferido mexeram-se de novo.
— Raptor — sussurrou.
— Ele o mordeu — disse Manuel aterrorizado.
— Quem o mordeu?
— O raptor.
— O que é raptor?
— Significa hupia.
Bobbie franziu a testa. Os costarriquenhos não eram excessivamente supersticiosos, mas já ouvira menções aos hupias na vila. Segundo a lenda, eram aparições noturnas, vampiros sem rosto que raptavam crianças pequenas. Viviam antes nas montanhas da Costa Rica, e agora habitavam as ilhas da costa.
Manuel recuara, fazendo de novo o sinal da cruz e murmurando:
— Este cheiro não é normal. Foi um hupia.
Bobbie estava a ponto de ordenar que o enfermeiro voltasse ao trabalho quando o rapaz machucado sentou-se na mesa, com os olhos arregalados. Manuel gritou apavorado. O paciente gemeu e virou a cabeça, lançando um olhar esgazeado para um lado e para outro, e em seguida vomitou uma golfada de sangue. Entrou imediatamente em convulsões, o corpo todo vibrando. Bobbie o agarrou, mas ele pulou da cama para o chão cimentado. Vomitou outra vez. Havia sangue por toda parte. Ed abriu a porta, gritando:
— Ei, o que está acontecendo aqui? — Mas quando viu tanto sangue recuou, com as mãos na boca.
Bobbie pegou um bastão para colocar entre os dentes do rapaz, mas percebeu que seria inútil. Com um espasmo final ele relaxou e ficou quieto, estendido no chão.
Ela se abaixou para fazer a respiração boca a boca, mas Manuel segurou seu ombro, puxando-a.
— Não. O hupia vai pegá-la.
— Manuel, por favor...
— Não. — Ele a encarou alucinado. — Não pode entender estas coisas.
Bobbie olhou para o corpo no chão e concluiu que não faria diferença; era impossível ressuscitá-lo. Manuel chamou os outros homens, que entraram na sala e levaram o corpo embora. Ed surgiu, limpando a boca com as costas da mão, resmungando:
— A senhora fez o possível, doutora.
Ela observou os homens que levavam o corpo de volta ao helicóptero e partiam trovejando rumo ao céu.
— Melhor assim — Manuel comentou.
Bobbie pensava nas mãos do rapaz. Estavam cobertas de cortes e machucados, um padrão característico de tentativa de defesa. Tinha certeza absoluta de que ele não sofrerá um acidente de trabalho. Havia sido atacado, e erguera as mãos para se proteger.
— Onde fica essa ilha de onde vieram?
— No oceano. Mais ou menos a cento e cinqüenta ou duzentos quilômetros da costa.
— Meio longe para um balneário. Manuel observou o helicóptero.
— Espero que não voltem nunca mais aqui.
Bem, pensou Bobbie, pelo menos tinha tirado as fotos. Mas ao virar para a mesa, viu que a câmera desaparecera.
À noite a chuva finalmente parou. Sozinha no quarto atrás da clínica, Bobbie folheava o dicionário espanhol de bolso já muito manuseado. O rapaz falara em "raptor", e apesar do que Manuel afirmara, ela suspeitava que se tratava de uma palavra espanhola. E não deu outra, estava lá no dicionário. Significava "seqüestrador" ou "raptador".
Isso a fez pensar. O sentido da palavra era perturbadoramente próximo ao significado de hupia. Claro, ela não acreditava em superstições. E os cortes na mão não poderiam ter sido feitos por uma aparição. O que o rapaz tentara dizer a ela?
Ouviu gemidos no quarto ao lado. Uma das mulheres da vila entrara em trabalho de parto, e Elena Morales, parteira local, a auxiliava. Bobbie voltou à clínica e chamou Elena para fora por um instante.
— Elena...
— Sim, doutora?
— Sabe o que é um raptor?
Elena era uma sessentona grisalha, uma mulher forte, com os pés no chão, pouco dada a fantasias. Sob o ar da noite ela franziu o cenho e repetiu:
— Raptor?
— Sim. Já ouviu essa palavra?
— Já. Quer dizer... alguém que entra à noite e leva uma criança.
— Um seqüestrador?
— Sim.
— Um hupia?
A atitude da mulher mudou de imediato.
— Não diga essa palavra, doutora.
— Por que não?
— Não fale em hupias agora — Elena pediu com firmeza, indicando com um movimento da cabeça a mulher que se preparava para o parto. — Não convém dizer essa palavra.
— Mas um raptor morde e lacera as vítimas?
— Morde e lacera? — Elena pareceu surpresa. — Claro que não, doutora. Nada disso. Um raptor é um homem que leva um bebê embora. — Ela parecia irritada com a conversa, ansiosa para encerrá-la. Recuou em direção à clínica. — Eu aviso quando ela estiver pronta, doutora. Creio que ainda demora uma hora, talvez duas.
Bobbie olhou para as estrelas, e ficou ouvindo o movimento suave das ondas na praia. Na escuridão, identificou as sombras dos barcos pesqueiros ancorados. A paisagem era tão normal, tão calma, que se sentiu como uma tola, por falar em vampiros seqüestradores de bebês.
Retornou ao quarto, lembrando-se novamente de que Manuel insistira em afirmar que a palavra não era espanhola. Por curiosidade, procurou o termo no dicionário da língua inglesa, e para sua surpresa encontrou um verbete também ali:
raptor (do latim raptor, seqüestrador, der. de raptus, seqüestro, rapto): ave de rapina.